28/05/2022

As Ideias Têm Consequências
Richard Malcolm Weaver Jr. (1910-1963) foi um historiador, intelectual e filósofo conservador do século XX. Ex-socialista, foi criado por sua mãe com fortes valores morais, futuramente considerando a religião como a base da família e da civilização. Apesar das difíceis circunstâncias de sua família após a morte prematura de seu pai, Richard foi considerado um dos intelectuais mais bem-educados de sua época. Descrito como “solitário e distante”, foi capaz de focar-se em suas atividades acadêmicas, o que lhe rendeu diversos prêmios. Richard ganhou um A.B em inglês pela Universidade de Kentucky, fez mestrado de inglês na Universidade de Vanderbilt e lecionou por alguns anos em outras faculdades. Fez Ph.D. na Louisiana State University, onde foi premiado. Lá conheceu o filósofo Eric Voegelin, um conservador importantíssimo da época. Em 49, Weaver recebeu o Prêmio Quantrell, graças ao seu ensino excepcional. Morreu no dia 1 de abril de 1963, vítima de uma hemorragia cerebral. Um ano depois, o Instituto de Estudos Intercolegiais criou uma bolsa de estudos de pós-graduação e, em 1983, o Rockford Institute estabeleceu o prêmio anual de Richard M. Weaver de “Scholarly Letters”. Além de seus inúmeros prêmios, seu livro As Ideias Têm Consequências permanece até hoje influente entre os teóricos conservadores e os estudiosos da modernidade.
A obra de Richard Weaver é de suma importância e As Ideias Têm Consequências possui grande destaque no mundo conservador. No livro, Weaver fala sobre a Idade Moderna e procura explicitar sua enfermidade – ou, popularmente falando, “toca na ferida” – e identificar suas causas: em geral, ele aponta o nominalismo[1] (doutrina que nega a existência dos universais) como a principal delas. O livro possui 11 capítulos densos, embora concisos, e explica, com excelência, o trajeto ideológico de todas as áreas da sociedade até o culminar de nossos tempos doentios.
As Ideias Têm Consequências
Logo no primeiro capítulo, Richard aborda a oposição sentimentalismo x brutalismo. Com o sentimentalismo, o homem torna-se um romântico: priva a si mesmo do real e perde-se no ideal. Numa espécie de subjetivismo aterrador, o sentimentalista, sem um centro organizador, vive dentro de suas projeções afetivas, imerso num emaranhado de incógnitas abstratas precursoras da desarmonia e do conflito interno. Inversamente, no brutalismo o homem torna-se um destruidor de qualquer potencial imaginativo ou formal; trata as formas como máscaras da verdade e a imaginação como potenciais adornos e enfeites. Insistentemente exige ver a coisa “como ela é”, mas, sem a mediação da imaginação, em verdade, a relação passa a ser de “uma coisa com outra”, já que tanto o homem quanto o mundo externo são tratados como fatos empíricos brutos.
A solução está em atribuir o devido peso e importância a cada uma das partes. A visão metafísica — aquele sentimento intuitivo a respeito do caráter transcendente da realidade — deve atuar como princípio organizador: toda e qualquer forma de conhecimento a favorecerá. A razão abandonada a si mesma não funciona; tanto as ideias quanto as crenças são reportadas com fins comprovativos: antes de sermos postos a pensar, somos atraídos a tal pensamento em razão de um interesse afetivo. O sentimento é anterior à razão, tal qual a visão metafísica é anterior ao sentimento.
A visão metafísica, portanto, será simultaneamente uma seta e um centro: seta porque aponta a direção em que iremos, isto é, atribui sentido ao conjunto de experiências que, sem ela, seriam opacos; centro porque tudo girará ao seu redor, e tudo a favorecerá e a comprovará.
Contudo todos temos, no fundo, tal visão. Mesmo o pirronista mais cético ou o ateu mais frio a possuem. O exemplo clássico é o ateu que grita “Ai, meu Deus!” quando percebe que seu avião está caindo. O que nos resta é aceitá-la: sem isso, somos todos frutos de um evento biológico do acaso, um conjunto de unidades amorfas com peso e massa; somos animais buscando por divertimentos que nos distraiam de nossa miséria.
Não podemos deixar de considerar também, é claro, a margem que tal negação abre ao relativismo. Isso é urgente àquele que nega o transcendente, isto é, àquele que trata uma escultura como uma rocha insignificante e equipara a música a um barulho como qualquer outro, vendo tudo como mero interpretacionismo subjetivo. Nossas ideias viram apenas “conveniências”, e o ato mais heróico predica-se em “útil” ou “inútil”, apenas. Trataremos das outras consequências no decorrer do texto.
Seguindo no livro, Richard fala dos conceitos de liberdade e de igualdade. Ambos amplamente desenvolvidos teoricamente graças ao Iluminismo e, socialmente, então, graças à Revolução Francesa. Apesar da máscara ideal e fantasiosa que os ronda, Richard os coloca em seu devido lugar.
Weaver critica fortemente a social-democracia, visto que esta se apoia em ideais que ela mesma não cumpre, tão só “fraudes verbais”. Ao afirmar a igualdade, por exemplo, assumem-se duas possibilidades: prometer a igualdade perante a lei e prometer a igualdade de condições. Ao afirmar a primeira, como diz Weaver, “não faz nada além do que impérios e monarquias têm feito e, portanto, não pode usar isso como pretexto para afirmar sua superioridade”. Buscando, então, a igualdade de condições, promete a injustiça, porque “ter a mesma lei para o boi e para o leão é algo tirânico”. Somente o despotismo poderia impor algo tão irreal, e isso explica o porquê de os governos modernos terem se tornado, de um modo ou de outro, despóticos.
O grande erro do ideal igualitário é afirmar que a distinção é criminosa. A fraude verbal a que nos referimos concerne-se a isto: o sistema de eleição da democracia é o que se não uma discriminação? Um sistema que afirma-se a si mesmo como promovedor da igualdade merece um líder não por eleição, mas por sorteio. E a inviabilidade disso na prática comprova o nosso ponto: a distinção é necessária, visto que ela compromete a própria hierarquia de um sistema, e um sistema sem hierarquia carece de ordem e justiça.
Muito mais justo é o sentimento de fraternidade, proposto por Weaver: o fraterno contempla o irmão mais novo e mais imaturo e contenta-se com sua ausência de responsabilidades; admira o irmão mais velho que, por ter mais idade, carrega deveres mais árduos. A fraternidade é, portanto, um sentimento que reconhece as afinidades e deveres de cada indivíduo como membro de uma comunidade e reconhece a importância de cada elemento para o funcionamento do todo. Enquanto o igualitário volta-se aos seus próprios direitos, o fraterno, superando esse egocentrismo, foca-se em seus deveres. Só com o espírito de fraternidade poderemos, um dia, contemplar um sistema justo e harmônico, onde o trabalho será visto como um serviço honroso, necessário ao funcionamento da sociedade.
Indo além, agora falando mais especificamente da liberdade, podemos afirmar que o homem que compartilha deste ideal sugere que o homem é como uma semente, que possui um esquema imanente de germinação — o que se assemelharia com uma espécie de “determinismo naturalista”. Isso justifica quase toda a filosofia socialista: se o homem não se encontra em seu estado emocional, intelectual e econômico perfeitos, há algo de errado na sociedade, mas nunca nele próprio. Fazendo uma crítica mais atual, esperamos que você, leitor, não cogite acreditar que as ONGs de “direitos humanos” e os governos ocidentais de esquerda tenham deduzido tais presunções de direitos através de grandes investigações ontológicas e existenciais; pelo contrário, são reflexos da mentalidade infantil que pressupõe a liberdade como grande causa do desenvolvimento social, mas que, ao mesmo tempo, impõe direitos não imanentes à existência, tornando obrigatório a alguém assegurá-los e, subsequentemente, corrompendo a liberdade deste.
Tendo esclarecido tais termos e suas implicações, podemos nos voltar aos grandes estimuladores e perpetradores de tudo isso: Richard apelida o conjunto imprensa, cinema e rádio de A Grande Lanterna Mágica. Isto porque sua função é a de projetar imagens selecionadas da vida, na esperança de que toda a população as imite. A Grande Lanterna nos diz os momentos adequados para rir e para chorar, o que contemporaneamente poderíamos chamar de “politicamente correto”.
A Grande Lanterna Mágica, com seu grande alcance, dissemina à população inteira estereótipos que sirvam ao ideal do progresso social. Com o jornal, essa tarefa fica fácil. Já com o cinema, o foco é trazer filmes com o propósito de entreter, mas que, no fundo, apresentem grande indiferença aos verdadeiros problemas da vida. O filme passa a ser um produto tão engenhoso e falso como uma propaganda. Como diz Weaver, o espectador é capaz de “ver os muros de Jerusalém, Atenas e Roma desabarem e não ver nisso tragédia alguma”. Por fim, com o rádio e a televisão, a vítima é persistentemente perseguida até que seja capturada. Com o seu grande poder de presença, poucos são os que sobrevivem ao mentiroso alegre que é o rádio. Hoje, ainda, temos um quarto pilar: a internet, que desempenha funções bem análogas.
Os operadores da Grande Lanterna têm interesse, então, de manter a população afastada das realidades mais profundas. O filósofo, nesse sentido, é um “notório mal consumidor” e, mais do que isso, uma influência perturbadora aos interesses da Lanterna.
A única esperança que nós, modernos, temos é o sentimento de piedade e justiça. Para Sócrates, a piedade consiste na cooperação com os deuses na ordem por eles instaurada, que é nada mais nada menos que uma parte do conceito amplo de justiça. Sendo mais didático, Weaver, encaminhando-se para o último capítulo, separa em três as coisas às quais devemos nos voltar com espírito de piedade: as substâncias da natureza, do próximo e do passado.
Em relação ao primeiro, é claro o posicionamento dos homens modernos. Eles veem a natureza como um objeto a ser superado, a ser transcendido. A infantilidade que permuta esse pensamento é clara e a frustração ao falhar é imediata. Este mundo é o próprio meio em que agimos, e a pergunta que fica é: como poderíamos jogar xadrez usando técnicas do judô? Não podemos, por definição, superar o meio em que agimos, utilizando-nos deste próprio meio. É uma contradição em termos. Nos resta, portanto, assumir a natureza não como obstáculo, mas como base da ação moral. Enquanto não, continuaremos dando “murros em ponta de faca”.
Dando luz ao segundo ponto, que diz sobre a “substância dos outros seres”, Weaver fala sobre o egoísmo do homem moderno, que comete o crime do fratricídio. A única solução para enxergar a substância do outro é justamente vê-lo como um ser, assim como você, imerso no drama humano, que carece de respostas e transborda de perguntas e que compartilha a existência contigo, isto é, vive o mistério que é viver: não sabe de onde veio e não sabe, com certeza, para onde vai. Pensá-lo dessa forma é o princípio para a caridade e a tolerância. Reconhecer a substância dos outros seres é, portanto, reconhecer o não eu, o outro.
O crime do parricídio concerne à terceira problemática: a substância do passado. O homem moderno freneticamente tenta nos excluir da história - o que não deixa de ser, também, uma forma de egoísmo. Mas lembremos que, na condição de criaturas reflexivas, temos apenas o passado. A epistemologia prova que a sensação de contiguidade é essencial ao nosso entendimento e conhecimento. A consciência do passado refreia o otimismo, pois nos ensina a ser cautelosos na consideração da perfectibilidade do homem e a avaliar sobriamente os projetos de renovação das espécies. O homem moderno nega-lhe a substância ou porque o passado o confunde ou porque o inibe. Richard diz: “Se os confunde, não refletiram o bastante sobre ele; se os inibe, deveríamos lançar um olhar curioso sobre os projetos que eles estão executando”. O passado é, portanto, o único determinante do presente que, junto ao passado, é o único determinante do futuro.
Porém, para que toda essa mudança ocorra, tenha em mente que a restauração tem o seu preço. No final do último capítulo, Richard deixa algumas perguntas aos homens modernos: “Vocês estão dispostos a aceitar que a lei das recompensas é inflexível e que é impossível, com astúcia ou queixas, obter mais do que lhes é dado? Vocês estão preparados para assumir que o conforto pode ser uma sedução e que o fetiche da prosperidade material terá de ser posto de lado em favor de um ideal mais austero? Vocês percebem a necessidade de aceitar alguns deveres antes de começar a falar em liberdades?”. Se a resposta for “sim” a tudo, provavelmente você já sabe que estamos localizados no declínio da humanidade e que, apesar das dificuldades, tem a Verdade ao seu lado, como uma genuína consoladora. Se a resposta a uma ou mais questões for “não”, o que podemos te aconselhar é que busque incansavelmente, com sinceridade e comprometimento, o conhecimento da verdade – isto, é claro, até onde seus braços podem alcançar.
[1] Para maior clareza, colocamos aqui o verbete do termo encontrado no Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano p.715: “NOMINALISMO (in. Nominalism; fr. Nomínalisme, ai. Nominalismus; it. Nominalismo). Doutrina dos filósofos nominales ou nomina- listas, que constituíram uma das grandes cor- rentes da Escolástica. Os termos nominalista (nominalís) ou terminista (terminista) foram usados somente no princípio do séc. XV (v. TERMINISMO), mas O'ton de Freising, em sua crônica Gesta Friderici imperatoris (1, 47), afirmava que Roscelin fora “o primeiro em nossos tempos a propor em lógica a doutrina das palavras (sententiam vocum)”. No princípio do séc. XII o N. era defendido por Abelardo (v. UNIVERSAIS), mas seu triunfo na Escolástica foi devido à obra de Guilherme de Ockham (c. 1280- c.1349), que com razão foi chamado de Princeps Nomínalium. Assim exprimia Ockham sua convicção sobre o assunto: “Nada fora da alma, nem por si nem por algo de real ou de racional que lhe seja acrescentado, de qualquer modo que seja considerado e entendido, é universal, pois é tão impossível que algo fora da alma seja de qualquer modo universal (a menos que isso se dê por convenção, como quando se considera universal a palavra 'homem', que é particular), quanto é impossível que o homem, segundo qualquer consideração ou qualquer ser, seja o asno” (In Sent., I, d. II, q. 7 S-T). Do ponto de vista positivo, o N. admite que o universal ou conceito é um signo dotado da capacidade de ser predicado de várias coisas. O conceito já fora assim definido por Abelardo (v. UNIVERSAIS, DISPUTA DOS). Ao traçar uma breve história do N., a propósito de Nizólio, Leibniz dizia que “são nominalistas todos os que acreditam que, além das substâncias singulares, só existem os nomes puros e, portanto, eliminam a realidade das coisas abstratas e universais”; para ele, o N. assim entendido começava com Roscelin, e entre os nominalistas, além do próprio Nizólio, estava também Thomas Hobbes (De stilo philosophíco Nízolii, 1670, Op., ed. Erdmann, p. 69). Essas observações e inclusões de Leibniz foram aceitas pelos historiadores da filosofia. Em época mais recente, esse termo designou a interpretação convencionalista da física: ex., Poincaré empregou em relação a Le Roy (La scíence et 1'hypothèse, p. 3). Algumas vezes os lógicos modernos usam esse termo para indicar a doutrina segundo a qual a linguagem das ciências contém apenas variáveis individuais, cujos valores são objetos concretos, e não classes, propriedades e similares (QUINE, From a Logical Point of Vieiv, VI, 4 ss.; CARNAP, Meaning and Necessity, § 10). ” [NE].
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