Por: José Ribas Neto
06/08/2025

A filosofia do lar: visões de um conservadorismo ambiental
Há uma concepção dominante no debate ambiental contemporâneo. A de que os problemas ecológicos, por serem de escala global, exigem soluções igualmente globais, estruturadas em grandes conferências, organismos multilaterais, ações coordenadas entre Estados e regulação burocrática em larga escala. Contra essa ortodoxia progressista-ambientalista, Roger Scruton (1944 – 2020) ergue em Filosofia Verde: como pensar seriamente o planeta (É Realizações, 2017) uma crítica intelectualmente provocadora, aquela de que talvez seja justamente essa centralização tecnocrática que impeça a verdadeira responsabilidade ambiental de emergir.
A proposta de Scruton, como todo bom pensamento conservador, parte de uma inversão. Não é o afastamento abstrato que gera consciência ecológica, mas a proximidade concreta. Não é o universalismo impessoal das cúpulas, mas o enraizamento afetivo nos lugares que habitamos. A chave disso está naquilo que ele chama de oikophilia, o amor pelo lar.
“O lar não é um lugar qualquer, mas sim o lugar que abriga aqueles que amamos e dos quais dependemos; o lugar onde se compartilha, o lugar que se defende, o lugar pelo qual se é designado a lutar e morrer. Esse sentimento de amor ao lar é fonte de muitos de nossos mais generosos gestos e de nossas maiores doações pessoais.” (SCRUTON, 2017, p. 144).
Entre Burke e Ostrom
A oikophilia — palavra derivada do grego oikos (casa) e philia (amor, afeição) — é mais que um neologismo conceitual. Trata-se, na filosofia de Scruton, da fundação moral de toda política ambiental séria. Diferente do biocentrismo de Peter Singer ou do ecocentrismo de Arne Naess, a proposta conservadora de Scruton é antropológica e afetiva. Partimos do lar para compreender o mundo; é o que nos é próximo que ensina o cuidado com o que está longe.
Para Scruton, a abordagem deve ser antropológica: partindo do ambiente do lar para o mundo externo.
Essa tese não está isolada. Daniel E. Ritchie (2014), em resenha publicada na Faith and Philosophy, destaca que o conceito de oikophilia não é uma rejeição da razão científica, mas sua reordenação a partir da moralidade cotidiana e da gratidão intergeracional, onde caberá a cada um “arcar com os custos de suas próprias atividades” e seja por isso mesmo capaz de entender que haverá meios que “os impeçam de transferir esse ônus às gerações futuras”. Scruton, portanto, não nega as mudanças climáticas nem a necessidade de mitigação. O que ele recusa é o tipo de racionalidade impessoal que despersonaliza o dever ecológico.
“[…] regulamentações de cima para baixo inevitavelmente transferem problemas e soluções para um organismo central de tomadas de decisão. Isso remove os problemas de seu verdadeiro contexto e impede sua localização e resolução pelo tipo de iniciativa cívica que constitui a fonte primária de uma intendência pelo bem comum.” (SCRUTON, 2017, p. 98).
Por isso, a obra dialoga tanto com Edmund Burke quanto com Elinor Ostrom. De Burke, retira a convicção de que a sociedade é um pacto entre os mortos, os vivos e os que ainda não nasceram. Uma visão que, transplantada para o debate ecológico, exige uma ética da continuidade, do dever herdado, do respeito pelo que recebemos. De Ostrom, retoma a valorização das comunidades locais como gestoras eficazes de bens comuns, desde que incentivadas por estruturas de confiança, reciprocidade e punição proporcional.
Para Scruton a comunidade deve ser valorizada, para criação de incentivos de gestão e preservação.
O conservadorismo antiabstracionista
O que diferencia Scruton de ambientalistas de esquerda não é a meta, que continua sendo preservar o planeta, mas o meio. Em lugar da engenharia social global, propõe ciclos de retroalimentação, ou seja, mecanismos que devolvem ao agente os custos de sua ação ambiental, como quando um poluidor é responsabilizado diretamente por danos causados a um rio ou floresta local.
“O direito à propriedade e o mercado não foram os únicos instrumentos que mantiveram viva a tradição das iniciativas cívicas no mundo cultural britânico, como as que salvaram os rios da Inglaterra: a lei fiduciária que protege as causas que dizem respeito ao espírito público e aos empreendimentos de caridade; a lei de responsabilidade civil, promotora de indenizações e capaz de responsabilizar os causadores de danos; a liberdade das associações civis que proíbem o Estado de se intrometer em nossas iniciativas sociais. Todas essas instituições, combinadas com a da propriedade privada e com a do livre mercado, criam uma rede eficiente de sistemas homeostáticos, nos quais erros são corrigidos e riscos são equilibrados à medida que surgem.” (SCRUTON, 2017, p. 104)
A crítica de Scruton se volta também contra o chamado “princípio da precaução”, que determina que se uma atividade pode causar dano ambiental, deve ser evitada mesmo que a relação causal não esteja plenamente provada. Para ele, esse princípio torna-se ilimitado e irracional, pois “tudo o que fazemos envolve certa dose de risco” (p. 64). Como argumenta Paul Keeling (2013) na Philosophy Now, Scruton expõe as contradições de uma política baseada no medo e na hipertrofia da precaução, ao invés da responsabilidade informada, pois para ele Scruton “considera os “vastos esquemas” de organizações ambientais internacionais como o Greenpeace tão irresponsáveis quanto os das corporações multinacionais, e lamenta a hiperbolização dos problemas ambientais por parte de ativistas, por prejudicar a própria causa ambiental”.
Ao contrário do progressismo ambiental, que vê o Estado como principal vetor de transformação, Scruton aposta na cultura cívica. Elogia instituições como o National Trust britânico ou as pequenas cooperativas agrícolas locais, alheias ao Estado, e que segundo ele, “não são mobilizados em torno de campanhas, mas estabelecidos por um interesse comum” (p. 172). Trata-se de retorna a aquilo que Angelika Krebs (2013) expõe como “o retorno do internacionalismo, da regulação hierárquica e do moralismo para o lar”, i.e., uma ética da heimat — a casa partilhada como fonte de sentido moral, estético e político.
Em Filosofia Verde, Scruton argumenta em defesa da cultura cívica como aporte para preservação, indo além da crença progressista do papel do Estado.
Crítica à razão global
Scruton também elabora uma crítica estética da modernidade ecológica. Para ele, a paisagem, a arquitetura, os ritmos da vida local compõem um ecossistema moral que, ao ser destruído pela homogeneização global e pelo gigantismo urbano, também destrói os fundamentos do dever.
A história desses conjuntos habitacionais ilustra como o desafio às normas estéticas conduz ao desastre ecológico. […] Esse esforço foi infrutífero porque as comunidades das quais os prédios dependiam, fosse qual fosse o verniz de vida humana que pudessem ter adquirido, haviam sido destruídas, irreversivelmente desarticuladas no planejamento urbano que o Estado-babá tivera como sonho de felicidade. O resultado foi tanto a perda de um hábitat autossustentável quanto a implantação de espaços urbanos desprezados por todos. (SCRUTON, 2017, p. 169)
Jesse Bryant e Justin Farrell (2024), em seu amplo estudo sobre o conservadorismo ambiental, identificam três pilares filosóficos que sustentam essa visão:
I — naturalismo, a crença numa ordem moral presente na própria natureza;
II — organicismo, a ideia da sociedade como um organismo vivo e interdependente;
III — pastoralismo, a valorização do estilo de vida rural como antítese da fragmentação moderna.
Scruton encarna essas três dimensões em sua crítica à modernidade urbana e à ideologia do progresso técnico desvinculado de raízes morais.
Segundo Scruton, a globalização e a urbanização, destroem o senso estético e moral de pertencimento e preservação ao ambiente em que vivemos.
Essa crítica não deve ser confundida com nostalgia reacionária. Como afirma o próprio Scruton, “tradição é uma forma de conhecimento” (p. 133). O conservadorismo ambiental, em sua forma mais nobre, é um esforço para reconciliar liberdade e responsabilidade, inovação e continuidade, progresso e prudência.
O paradoxo scrutiano
Contudo, o livro não está imune a críticas. Sua leitura da esquerda ambiental é, por vezes, redutora. Como se todo ambientalismo progressista fosse globalista, anticomunitário e avesso à estética. Paul Keeling (2013) aponta que Scruton fecha os olhos para tradições de esquerda localistas, distributivistas e comunitaristas que compartilham da mesma crítica ao gigantismo estatal e à mercantilização da natureza, pois Scruton “confunde o caráter internacionalista do movimento ambiental com o comunismo e tende a caracterizar a política de esquerda como uma ladeira escorregadia que leva inevitavelmente aos esquemas coletivistas de Stalin e Mao, ao mesmo tempo em que dá relativamente pouca atenção à natureza viciante do consumismo e ao papel do capitalismo em alimentar esse vício”.
Além disso, ao abordar o aquecimento global, Scruton reconhece que se trata de um problema real, o qual pode exigir soluções centralizadas, como um imposto universal sobre o carbono. No entanto, essa admissão é feita de forma tímida, quase apologética (p. 234). Há aqui um ponto de tensão, pois ao mesmo tempo em que denuncia o Estado como agente de disfunção, recorre a ele para enfrentar o problema ambiental de maior escala — quando, na verdade, ações de indivíduos, instituições civis e comunidades locais constituem os principais meios de proteção e preservação ambiental.
Existe um erro paradoxal em Scruton ao recorrer ao Estado na resolução de problemas ambientais de larga escala e deixar de lado a comunidade.
Ainda assim, mesmo com tais limitações, o mérito de Filosofia Verde está em recolocar o debate ambiental sob a luz da ética, da estética e da política da comunidade. Trata-se de uma obra que convida à maturidade moral.
“O verdadeiro espírito de conservação não enxerga o passado como ‘herança’ comerciável, mas como herança viva, uma realidade durável porque reside dentro de mim. Existir plenamente no tempo é estar consciente da perda e sempre trabalhar para repará-la.” (SCRUTON, 2017, p. 141)
A marcha perpetua da conservação
No fim das contas, Scruton não propõe um programa político, mas uma disposição existencial. O cuidado com o mundo como forma de gratidão. Em um tempo marcado por deslocamento, apatia cívica e hiperindividualismo, Filosofia Verde nos lembra que preservar o planeta é também preservar os vínculos, os lugares, os rituais silenciosos da vivência comum e em comunidade.
O filósofo nos induz a reflexão de que quisermos pensar seriamente o planeta, como propõe o título, talvez devamos começar onde menos se espera — na soleira da porta de casa, olhando para a árvore que será regada no jardim.
Referências
BRYANT, Jesse; FARRELL, Justin. Conservatism, the Far Right, and the Environment. Annual Review of Sociology, v. 50, 2024.
KREBS, Angelika. Roger Scruton, Green Philosophy. How to Think Seriously about the Planet. Philosophisches Jahrbuch, v. 120, n. 1, 2013, p. 219–220.
RITCHIE, Daniel E. How to Think Seriously About the Planet: The Case for an Environmental Conservatism, by Roger Scruton. Faith and Philosophy, v. 31, n. 3, 2014, p. 357–361.
KEELING, Paul. Green Philosophy by Roger Scruton. Philosophy Now, n. 98, 2013, p. 43–44. Disponível via PhilPapers.
SCRUTON, Roger. Filosofia Verde: como pensar seriamente o planeta. São Paulo: É Realizações, 2017
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Sobre o autor
José Ribas Neto é jornalista investigativo, escritor e editor. Atua na linha de frente do jornalismo independente no país, com foco em política, corrupção, direitos civis e uso de recursos públicos. Paralelamente, desenvolve pesquisa e reflexão nas áreas de comunitarismo francês, literatura humanista — com especial interesse na obra de Erich Auerbach — e realismo político, a partir do pensamento de Carl Schmitt.
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